#Literatura: A voz proustianaProust não impressiona por artifícios, mas pelo rigor com que atravessa as zonas turvas do sentimento humanoLer Proust é acompanhar um homem que, em meio ao rumor dos salões e às sombras dos quartos fechados, persegue aquilo que parece sempre lhe escapar: o sentido da própria vida. Sua obra monumental, tantas vezes tratada como labirinto hermético, revela-se, no fundo, uma história simples — a história de alguém que tenta compreender por que o tempo, esse elemento fugidio, pesa tanto sobre a alma. Em busca do tempo perdido não é apenas um monumento da memória, mas o lento despertar de um homem para sua própria vocação. No fundo, todo o labirinto de salões aristocráticos, amizades rarefeitas e amores febris serve como cenário para uma pergunta quase infantil: o que devo fazer da vida? Ao longo dos sete volumes, o narrador caminha entre memórias que se iluminam subitamente, como lâmpadas acesas no subterrâneo da consciência. Ele teme ter desperdiçado o melhor de si, teme que os anos tenham passado sem que deixassem vestígios. Mas a cada lembrança reencontrada, percebe que há uma verdade à espera, escondida nas dobras mais discretas da experiência. É apenas no fim da jornada que o círculo se fecha. O narrador descobre que o único modo de resgatar o tempo perdido é transformá-lo em forma, ritmo e frase: o livro que decide escrever é o próprio livro que o leitor leu. Assim, o passado deixa de ser uma ausência dolorosa para tornar-se matéria de criação. O desespero converte-se em obra. Proust não impressiona por artifícios, mas pelo rigor com que atravessa as zonas turvas do sentimento humano. O ciúme, a inveja, o tédio, a necessidade de reconhecimento — tudo é observado com uma precisão quase científica, como se o autor desmontasse cada emoção para revelar seu mecanismo secreto. Os personagens, com seus vícios elegantes e suas mentiras discretas, são espelhos ampliados da condição humana. No fim, a “voz proustiana” paira sobre o tempo com frases que se estendem, digressões que serpenteiam e pensamentos que vêm e vão como ondas. É nesse movimento, lento e profundo, que a obra alcança sua grandeza. Entre o murmúrio do passado e a disciplina da escrita, Proust ergueu uma das meditações mais belas já feitas sobre o tempo — e sobre o esforço obstinado de dar forma à própria existência. __________________ Atualmente, você é um assinante gratuito de Não É Imprensa. Para uma experiência completa, atualize a sua assinatura. |
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quinta-feira, 11 de dezembro de 2025
#Literatura: A voz proustiana
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