O Tribunal Superior do Trabalho (TST), órgão de cúpula da Justiça do Trabalho brasileira, consolidou recentemente um entendimento de suma importância e com profundo impacto social para milhares de famílias em todo o país. A decisão, favorável aos empregados públicos que são pais ou mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), representa um avanço significativo na garantia de direitos e no apoio às famílias que lidam com os desafios e as especificidades do TEA.
Esta nova jurisprudência, firmada e confirmada por meio de processos cruciais como o RR 594-13.2023.5.20.0006, estabelece diretrizes claras e irrefutáveis que visam proteger o direito ao cuidado parental e promover a inclusão de pessoas com deficiência. De forma resumida e direta, o entendimento do TST consagra os seguintes pontos essenciais:
Direito à Redução de Jornada: O empregado público que possui filho(a) com Transtorno do Espectro Autista tem o direito inquestionável à redução de sua carga horária de trabalho. Esta medida reconhece a demanda de tempo e dedicação que o cuidado e acompanhamento de uma criança com TEA exige.
Sem Redução Salarial: Crucialmente, essa redução da jornada de trabalho não implicará em qualquer diminuição da remuneração do empregado. A manutenção integral do salário é um pilar fundamental para garantir que o suporte à criança não acarrete em um ônus financeiro adicional à família, já frequentemente impactada pelos custos de terapias, acompanhamentos e cuidados especializados.
Independentemente de Compensação: Um dos pontos mais inovadores e benevolentes da decisão é a dispensa da necessidade de compensar as horas não trabalhadas. Diferentemente de outras flexibilizações de jornada, esta prerrogativa reconhece a natureza contínua e inadiável das necessidades de cuidado, eliminando a obrigação de repor as horas, o que poderia esvaziar o propósito da medida.
Fundamentação Legal Robusta: Aplicação Analógica do Art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/1990: A base legal para este entendimento é a aplicação analógica de dispositivos da Lei nº 8.112/1990, conhecida como o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. Originalmente, o Art. 98, §§ 2º e 3º, dessa lei concede horário especial a servidores públicos que possuem deficiência ou que tenham cônjuge, filho ou dependente com deficiência, sem a necessidade de compensação de horário. O TST, por meio de uma interpretação evolutiva e inclusiva, estendeu essa prerrogativa para os casos específicos de filhos(as) com TEA. Esta extensão por analogia reflete o reconhecimento judicial de que o TEA, embora com suas particularidades, impõe desafios e demandas de cuidado que se assemelham, para fins de proteção e suporte, às condições gerais da deficiência, justificando a equiparação e a aplicação do mesmo benefício.
Este posicionamento do TST reafirma de forma contundente a tese de que o suporte e o cuidado a filhos com TEA justificam a flexibilização da jornada de trabalho para servidores públicos (e, por extensão jurisprudencial, empregados públicos), garantindo que seus rendimentos sejam mantidos integralmente. É um claro sinal do judiciário trabalhista brasileiro de que a proteção da família e a inclusão das pessoas com deficiência são valores supremos que devem guiar a interpretação e a aplicação das leis.
O Contexto da Decisão: Inclusão e Direitos da Pessoa com Deficiência
Para compreender a magnitude desta decisão do TST, é fundamental contextualizá-la dentro do arcabouço legal e social de proteção e inclusão da pessoa com deficiência no Brasil. O país tem avançado na legislação que busca garantir a dignidade e os direitos de todos, especialmente daqueles que enfrentam barreiras em seu dia a dia.
A principal referência é a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) – Lei nº 13.146/2015. Esta legislação, em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, da qual o Brasil é signatário, reconhece a pessoa com deficiência em igualdade de condições com as demais e estabelece uma série de direitos e garantias em diversas áreas, incluindo trabalho, educação, saúde e assistência social.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência define o autismo como uma deficiência para todos os efeitos legais (Art. 3º, Parágrafo único). Isso significa que as pessoas com TEA e suas famílias têm acesso aos mesmos direitos e benefícios garantidos a outras pessoas com deficiência. A decisão do TST, portanto, não apenas aplica a Lei 8.112/90 por analogia, mas também está alinhada aos princípios e ao espírito da Lei Brasileira de Inclusão, que busca remover barreiras e promover a plena participação e inclusão social.
A flexibilização da jornada de trabalho para pais de crianças com TEA não é apenas um benefício individual; é uma medida de política pública que reconhece a família como núcleo essencial de apoio e que o bem-estar da criança com deficiência está intrinsecamente ligado à capacidade de seus pais de dedicarem tempo e recursos ao seu desenvolvimento e bem-estar.
Implicações Práticas para as Famílias de Empregados Públicos com TEA
A consolidação deste entendimento pelo TST tem implicações práticas profundas e positivas para as famílias de empregados públicos que possuem filhos(as) com TEA:
Melhor Qualidade de Vida e Cuidado: Com a jornada reduzida e o salário integral, os pais podem dedicar mais tempo e energia para acompanhar terapias (fonoaudiologia, terapia ocupacional, ABA, psicomotricidade, etc.), consultas médicas, reuniões escolares e outras atividades essenciais para o desenvolvimento de seus filhos. Isso é vital, pois o TEA exige intervenções precoces e contínuas que demandam tempo e consistência.
Redução do Estresse Parental: A conciliação entre as demandas do trabalho e as intensas necessidades de cuidado de uma criança com TEA é uma fonte significativa de estresse para muitos pais. A redução da jornada sem perda salarial alivia essa pressão, permitindo que os pais estejam mais presentes e disponíveis, contribuindo para um ambiente familiar mais equilibrado e saudável.
Acesso e Adesão a Terapias: Muitas terapias e intervenções para TEA ocorrem em horários comerciais. A jornada flexibilizada facilita o transporte e o acompanhamento das crianças a essas sessões, garantindo maior adesão aos planos terapêuticos e, consequentemente, melhores resultados no desenvolvimento da criança.
Prevenção da Esgotamento Profissional: O esgotamento (burnout) é uma preocupação real para pais de crianças com necessidades especiais. Ao reduzir a carga horária, o TST contribui para a saúde mental e física desses empregados, permitindo-lhes sustentar sua capacidade de trabalho a longo prazo.
Promoção da Igualdade e Não Discriminação: A decisão reforça o princípio da não discriminação, reconhecendo que a deficiência de um dependente pode impactar a vida profissional do empregado, e que o Estado, como empregador, deve prover adaptações razoáveis para garantir a igualdade de oportunidades e tratamento.
Precedente para Outras Esferas: Embora o TST lide com empregados públicos (regidos pela CLT) e a decisão se baseie na Lei 8.112/90 (para servidores estatutários), a analogia e o raciocínio jurídico empregados abrem portas para discussões e futuras aplicações em outras esferas ou para outras condições que demandem cuidados especiais, podendo influenciar a jurisprudência em outros ramos do direito ou até mesmo em empresas privadas, por meio de negociações coletivas e acordos.
Fundamentação e Raciocínio Jurídico do TST: A Força da Analogia
A Lei nº 8.112/1990 é o estatuto que rege os servidores públicos federais. Seu Art. 98, §§ 2º e 3º, é explícito ao prever o horário especial para servidor público que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, independentemente de compensação de horário e sem prejuízo da remuneração. O ponto central da decisão do TST reside na aplicação "por analogia" desse dispositivo legal aos empregados públicos celetistas e, principalmente, à condição de Transtorno do Espectro Autista.
A analogia, no direito, é um método de integração de lacunas normativas. Significa aplicar a uma situação não prevista em lei uma disposição legal que rege um caso semelhante. No caso em tela, o TST reconheceu que, embora a Lei 8.112/90 se dirija a servidores públicos estatutários, a finalidade da norma — o amparo a quem cuida de pessoa com deficiência — é perfeitamente aplicável aos empregados públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dada a semelhança da situação fática e a necessidade de proteção da dignidade humana e da família.
O reconhecimento do TEA como deficiência para fins legais pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) foi crucial para essa interpretação. Ao equiparar o TEA a outras formas de deficiência, o TST solidificou o caminho para que os benefícios previstos para o cuidado de pessoas com deficiência se estendessem também a filhos(as) autistas, preenchendo uma lacuna que, de outra forma, geraria uma discriminação inaceitável.
A decisão reforça a função social do contrato de trabalho e do emprego público, que não pode ser dissociada da realidade social e das necessidades dos indivíduos. O trabalho deve ser um meio de sustento e realização, e não uma barreira para o exercício da parentalidade e do cuidado essencial.
Desafios e Próximos Passos na Implementação
Apesar da clareza e da natureza favorável da decisão do TST, a implementação prática desse direito pode ainda enfrentar alguns desafios:
Comprovação do TEA: Embora o TEA seja legalmente reconhecido como deficiência, a comprovação da condição da criança e da necessidade da redução de jornada pode exigir laudos médicos e relatórios multiprofissionais detalhados que justifiquem a necessidade do horário especial para os cuidados.
Resistência de Empregadores: Alguns órgãos ou empresas públicas podem, inicialmente, apresentar resistência à aplicação do benefício, exigindo que os empregados busquem o judiciário para garantir o direito. No entanto, a consolidação da jurisprudência pelo TST tende a diminuir essa resistência ao longo do tempo, tornando a via administrativa mais eficaz.
Adaptação dos Setores de RH: As áreas de Recursos Humanos dos órgãos e empresas públicas precisarão se adaptar para gerenciar essas flexibilizações de jornada, garantindo que os serviços não sejam prejudicados e que os direitos dos empregados sejam respeitados.
Alcance da Decisão: Embora o TST seja um tribunal de grande relevância, a decisão se aplica primariamente aos empregados públicos submetidos à sua jurisdição (regidos pela CLT). Para servidores estatutários federais, o direito já era previsto na Lei 8.112/90. Para servidores estaduais e municipais, a aplicação dependerá de legislações estaduais/municipais específicas ou de decisões judiciais nos respectivos âmbitos, embora a jurisprudência do TST possa servir de forte precedente e argumento.
A Importância da Jurisprudência Consolidada
A expressão "jurisprudência consolidada" significa que o TST, após analisar diversos casos semelhantes, chegou a um entendimento uniforme e recorrente sobre a matéria. Quando uma tese é consolidada, ela adquire um peso significativo, servindo como orientação para as instâncias inferiores (Tribunais Regionais do Trabalho e Varas do Trabalho) e tornando o resultado dos litígios mais previsível.
Isso significa que o empregado público que se enquadra nessa situação tem agora um argumento jurídico muito forte em mãos. As chances de obter o reconhecimento do direito à redução de jornada sem prejuízo salarial e sem compensação são significativamente maiores, o que desestimula a negativa por parte dos empregadores e facilita o acesso à Justiça.
Como Buscar o Direito: Orientações para Empregados Públicos
Empregados públicos que se enquadram nessa situação e desejam buscar a redução de jornada devem considerar os seguintes passos:
Documentação Completa: Reunir toda a documentação comprobatória do Transtorno do Espectro Autista do filho(a), incluindo laudos médicos (neurologista, psiquiatra infantil, neuropediatra), relatórios de equipe multiprofissional (terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, etc.) que indiquem a necessidade de acompanhamento e os benefícios da maior disponibilidade parental.
Solicitação Administrativa: Inicialmente, o ideal é protocolar um pedido administrativo formal junto ao setor de Recursos Humanos ou à chefia imediata no órgão ou empresa pública. O pedido deve ser bem fundamentado, citando a decisão do TST (RR 594-13.2023.5.20.0006 e outras decisões correlatas), o Art. 98 da Lei 8.112/90 (por analogia), e os princípios da Lei Brasileira de Inclusão.
Busca por Orientação Jurídica: Caso o pedido administrativo seja negado ou não haja resposta em tempo hábil, é fundamental procurar a orientação de um advogado especializado em direito do trabalho ou direito público. Este profissional poderá avaliar o caso específico, analisar a melhor estratégia jurídica e, se necessário, ingressar com uma ação judicial para garantir o direito. Sindicatos e associações de servidores também podem oferecer apoio jurídico.
Atenção aos Detalhes: É crucial entender a diferença entre "servidor público" (regido por estatuto) e "empregado público" (regido pela CLT). Embora a decisão do TST tenha estendido o benefício por analogia, a forma de solicitação e os trâmites processuais podem variar.
Considerações Finais
A decisão do TST em favor da redução de jornada para empregados públicos com filhos(as) autistas, sem corte salarial ou compensação, é um avanço notável na concretização dos direitos das pessoas com deficiência e no reconhecimento da importância do apoio familiar. Ela demonstra um judiciário sensível às realidades sociais e comprometido com a construção de uma sociedade mais inclusiva e justa.
Para mais informações e detalhes sobre o tema, é recomendável consultar as fontes jurídicas e especializadas, como as citadas abaixo, que aprofundam a análise deste precedente:
A decisão não apenas beneficia as famílias diretamente envolvidas, mas também envia uma mensagem poderosa para o ambiente de trabalho, incentivando a adoção de políticas mais flexíveis e inclusivas que valorizem o bem-estar do empregado e de sua família.
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