Total de visualizações de página

Mostrando postagens com marcador LIVROS. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador LIVROS. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 5 de agosto de 2025

PRINCÍPIO 2: HÁBITOS ACELERAM A APRENDIZAGEM

Outra demonstração de que a memória de trabalho é tão poderosa

quanto limitada é a percepção de que toda tarefa que você consegue
fazer sem uma carga mínima na memória de trabalho permite usar a
capacidade remanescente para alguma coisa mais importante. A leitura
uente é talvez o exemplo mais importante disso. Quando os alunos
conseguem ler com uência, sua memória de trabalho é liberada para
pensar com mais profundidade sobre o texto, e sua compreensão e
habilidade para analisar aumentam.
Isso também explica por que a formação de hábitos é tão crítica para
a aprendizagem. Atividades cotidianas com que temos familiaridade,
que podemos fazer sem ter que pensar antes, são mais fáceis de realizar.
Isso signica que podemos liberar nossas mentes para pensar em coisas
mais complexas enquanto as realizamos.
Seu despertador toca na escuridão antes de amanhecer, e sua mão dá
um tapa no botão soneca. Você está com sono, mas em seguida está de
pé na frente da pia com a pasta de dentes na escova. Agora o chuveiro
está ligado. Provavelmente você está se movimentando pelo hábito
enquanto seu cérebro se esforça para encarar o novo dia. Você faz o que
faz porque isso é o que você faz. Suas ações aconteceriam mais
lentamente e exigiram mais força de vontade e memória de trabalho
(ou poderiam nem acontecer) se não fossem um hábito. Uma rotina
conhecida permite que você poupe sua força de vontade para alguma
outra coisa. Curiosamente, pesquisas sugerem que a força de vontade é
de fato limitada desse modo. A maioria de nós pode esgotá-la. O termo
“esgotamento do Ego”
10 descreve esse fenômeno.
Porém algo mais acontece como resultado dos hábitos. Provavelmente
alguns dos pensamentos mais livres e abrangentes que você terá hoje
ocorrerão enquanto está fazendo coisas que faz por hábito: escovando
os dentes, de pé no chuveiro, talvez dirigindo até o trabalho. Sua mente
pode fazer essas coisas com custo muito baixo para a memória de
trabalho. De repente ela está livre para vaguear. Antes que perceba,
você está pensando sobre onde colocar o sofá para que a sala de estar
que mais funcional ou qual é a melhor pergunta para destravar a
leitura da noite passada para seus alunos.
Pense nisso em termos da sala de aula. Quando você pede que seus
alunos escrevam em resposta a um livro que estavam lendo ou
discutindo, quanto mais o processo é estabelecido como um hábito –
“peguem seu Diário de Respostas do Leitor e comecem a escrever” –,
mais memória de trabalho sobra para pensar sobre o livro. Conra
como isso acontece com esta sequência na sala de aula do 5º ano de
Jessica Bracey: Pedra Angular. Jessica diz: “Peguem seus livros. Pergunta
87 em seus Diários de Respostas do Leitor. Vocês têm evidências no
texto. Podem começar!”. Menos de três segundos depois, cada lápis na
sala está se movendo e, o que é mais importante, cada aluno está
pensando de verdade sobre o livro. Compare essa situação com a da
Srta. Yecarb. Sua sala de aula é o oposto da sala da Srta. Bracey. Ela acha
que os alunos cam entediados fazendo as mesmas coisas todos os dias,
então frequentemente promove novas maneiras de tornar interessantes
as tarefas de casa. “Reservem alguns minutos para anotar seus
pensamentos sobre por que Maddie faz o que faz”, diz a Srta. Yecarb. “É
para escrever em frases?”, um aluno pergunta. “Sim”, diz a Srta. Yecarb.
“Onde?”, pergunta outro aluno. “Qualquer coisa serve: numa folha de
papel ou em suas anotações. Usem um lápis de cera grande e roxo, se
tiverem! Mas tentem pensar de verdade sobre isso,” responde a Srta.
Yecarb. “Pode ser neste?”, pergunta um, erguendo seu caderno. “Não
consigo encontrar um pedaço de papel”, diz outro aluno. “Ei!”, diz um
terceiro. Seu colega na carteira ao lado estava procurando um lápis na
mochila e balançou a carteira dele.
O problema não é só o tempo desperdiçado, embora claramente
tenha sido desperdiçado. É que a continuidade foi perdida, e o foco,
dissipado. Quando seus alunos começarem a escrever, lembrarão
menos sobre o texto. As ideias que estavam começando a se
desenvolver alguns segundos antes tinham sido desviadas da memória
de trabalho pelas demandas de pegar lápis e papel. Seus insights serão
espalhados ao vento. Quando escreverem, uma parte deles estará
pensando em aspectos banais da realização da tarefa – Estou
escrevendo o suciente? Outras pessoas estão escrevendo mais? –, pois
responder por escrito ainda não é um hábito. Ironicamente, em um
esforço para tornar “interessante”, a Srta. Yecarb foca mais atenção na
tarefa de escrever e menos no livro em si.
Na classe de Jessica, no entanto, as ideias estão uindo
imediatamente, porque existe hábito e procedimento. Há um diário na
pasta de todos, a pasta está sobre a carteira de todos, e os lápis estão nos
estojos. A narrativa dela revela que eles já zeram 87 vezes e, portanto,
para eles é equivalente a escovar os dentes. Eles conseguem fazer isso
não só rapidamente, mas com sua atenção em coisas maiores – o livro,
no caso. Os alunos de Jessica provavelmente terão pensamentos mais
complexos e criativos, porque ela tornou um hábito a parte de
responder por escrito. Você pode ver os benefícios disso no resto do
vídeo. O que fazemos como hábito exige menos força de vontade, por
isso que todos os alunos estão escrevendo o tempo todo. O que fazemos
por hábito permite que nossa memória de trabalho esteja em coisas
mais substanciais, por isso que os alunos se engajaram nas perguntas de
Jessica de forma reexiva. Não causa surpresa, no entanto, que, quando
ela os incentiva, a mão de todas as crianças se levanta com entusiasmo.
Ela construiu um ambiente em que é fácil para as mentes deles se
engajarem, e eles responderam.
Os hábitos, nos diz Charles Duhigg em O poder do hábito, são a
forma de o cérebro economizar energia ou alocar sua energia para
outras coisas mais urgentes e são tão importantes para os professores
quanto para os alunos. Segundo um estudo feito pelo psicólogo social
Wendy Wood e seus colegas, na Duke University, até 45% dos nossos
comportamentos diários são automáticos.
11
Isso torna mais fácil fazer
as coisas – pensar é um trabalho árduo, e o cérebro está sempre
tentando poupar energia e foco para quando realmente precisar. Você
não consegue planejar sua aula se estiver pensando em como escovar
seus dentes. Mas também existem hábitos que você desenvolve para
ajudar a pensar mais profundamente sobre o que está fazendo, como
preparar a lição. “Sempre preparo minhas aulas da mesma maneira”,
Sarah Wright contou. Na manhã daquela linda aula em seu vídeo Pedra
Angular, em que ela é tão receptiva aos seus alunos e parece tomar
todas as decisões certas, ela diz: “z a atividade como se fosse um
aluno, analisando segundo a perspectiva deles e escrevendo as respostas
que eu esperava obter”. Professores como Sarah usam um hábito
familiar e produtivo para se prepararem. Isso ser uma rotina signica
que ela não está pensando em como se preparar, mas em como seria
uma boa resposta de um aluno.
O mesmo vale para os alunos. Queremos otimizar seu uso do
pensamento preenchendo os dias letivos com dois tipos de hábitos: (1)
tendo uma forma de fazer, com rapidez e facilidade, coisas
relativamente sem importância e (2) tendo uma forma de fazer bem as
coisas importantes e de uma maneira que canalize a maior quantidade
de atenção, consciência e reexão sobre o conteúdo. Em outras
palavras, é óbvio que queremos hábitos consistentes para as coisas
triviais, mas é menos óbvio que queremos hábitos consistentes para as
tarefas mais importantes. É verdade, existem hábitos úteis, como entrar
em uma sala de aula e distribuir os materiais. Mas hábitos acadêmicos –
discutir e escrever sobre um texto – são ainda mais essenciais. O que
fazemos com frequência é mais benéco se feito também com
consistência. Por isso é tão importante construir o hábito de prestar
muita atenção (Hábitos de atenção), além de ouvir e construir uma
comunidade durante as discussões (Hábitos de discussão). É
importante, também, criar rotinas consistentes para diferentes formas
de participação (Virem e conversem, Solo silencioso), sem mencionar
expectativas como levantar a mão para responder (não há nada pior do
que interromper um aluno que faz um bom comentário para pedir que
o aluno que se manifestou – mais uma vez – desista de falar) e abaixar
quando outros estão falando (veja a técnica 29, Todas as mãos).
Construa sua sala de aula com base em procedimentos que se tornem
hábitos. O escritor especialista em educação Tom Bennett descreve os
hábitos compartilhados que se tornam rotina em uma boa sala de aula
como sendo um “superpoder”. Os hábitos, escreve ele, se tornam parte
dos alunos: “Eles se comportam como precisam se comportar, sem
pensar. E isso signica…tempo e espaço na cabeça para pensarem
sobre a coisas que você quer que eles pensem – a aprendizagem. As
rotinas são o fundamento do bom comportamento. Elas demandam
tempo para ser comunicadas e incorporadas. Mas nada valoriza mais o
seu tempo.” Tom está certo, é claro. O que ele diz sobre comportamento
positivo é ainda mais verdadeiro para comportamentos de pensamento
e os hábitos acadêmicos. Ironicamente isso frequentemente deixa os
alunos felizes, porque eles sentem bem-estar – e algumas vezes orgulho
– por saber como fazer as coisas rapidamente e bem. Mas de qualquer
maneira, você estará transferindo o foco da sua memória de trabalho
de como fazer uma tarefa para a importância da pergunta. Assim, uma
sala de aula imbuída de hábitos fortes geralmente é também um lugar
feliz e erudito.
Há um terceiro aspecto mais sutil da construção de hábitos sobre o
qual vale a pena pensar. Uma história da minha visita à Michaela
Community School, em Londres, que atende alunos de algumas das
regiões mais pobres da cidade, ajudará a explicar por que. Na Michaela
– que recentemente foi a escola com escore mais alto na Inglaterra em
pelo menos uma prova de matemática –, os alunos, todos os dias, cam
em pé na hora do almoço e dão graças. Eu mesmo vi isso em uma visita
em 2016.
Depois de comerem, foi dada aos alunos uma chance de se
levantarem e expressarem gratidão diante de metade da escola. Suas
mãos pipocaram no ar. Todos eles. Todos queriam ser escolhidos para
agradecer.
Os alunos agradeceram aos seus colegas por ajudá-los a estudar.
Agradeceram aos seus professores por esperarem muito e ajudá-los.
Um aluno agradeceu à equipe do refeitório por cozinhar para eles (a
propósito, a comida dos refeitórios no Reino Unido é muito superior à
dos Estados Unidos e muito mais provável de envolver o preparo no
local). As mãos ainda pipocavam no ar. Um aluno agradeceu a sua mãe
por tudo o que ela fez para sustentá-lo. Ele tinha uns 13 anos e
compartilhou seu reconhecimento na frente de talvez uma centena de
outros meninos adolescentes, falando com hesitação, mas
honestamente, sobre o quanto era grato pelo tanto que ela trabalhou
duro e os sacrifícios que fez. Você não vê isso todos os dias. A gratidão
parecia ser innita e brotava deles, até que o professor responsável disse
que estava na hora de voltar para a classe.
Eu me peguei pensando nisso durante algum tempo depois da
situação. Ali estavam crianças de algumas das regiões mais pobres da
cidade, crianças que devem ter enfrentado diculdades em casa e no
seu caminho para a escola. Muitos haviam deixado (ou ainda viviam
em) lugares assolados pela violência e diculdades. Mas na Michaela,
seus dias eram marcados não pela presença de alguém que os lembrava
que haviam sofrido ou tinham sido negligenciados pela sociedade, mas
pelo pressuposto de que queriam demonstrar sua gratidão ao mundo à
sua volta.
O que isso signicava? Bem, antes de tudo, deu origem a uma cultura
de reexão. Para onde quer que eu olhasse, os alunos faziam coisas uns
para os outros. Em uma classe, um aluno notou outro sem um lápis e
lhe deu um sem que fosse pedido. No corredor, um aluno deixou cair
alguns livros e de repente três ou quatro alunos estavam se agachando
para juntá-los. Quando os alunos saíam de uma sala de aula,
agradeciam ao seu professor.
Talvez agradecer torne comportamentos merecedores de gratidão
mais prováveis de ocorrer. Os alunos sabem que sua bondade é vista e
valorizada, não só por seus professores, mas também por seus pares.
Ela se espalha. Talvez inicialmente seja devido à plausibilidade da
valorização, mas depois de algum tempo simplesmente assume vida
própria. As pessoas são gentis e atenciosas porque, na Michaela, isso é o
que elas fazem – é um hábito.
Mas a gratidão, eu acho, diz tanto sobre quem demonstra quanto
sobre quem recebe. Talvez esse seja o ponto mais importante.
Demostrar gratidão faz você procurar e ver a bondade à sua volta e,
portanto, perceber um mundo cheio de bondade à sua volta. O que o
deixa feliz. E talvez otimista – pensar que o mundo é o tipo de lugar
que o aceitará quando você der o seu melhor. O hábito de demonstrar
gratidão fez com que os alunos vissem mais coisas pelas quais podiam
ser gratos, ter uma visão mais positiva do mundo. Eles o viam como
um lugar onde as pessoas provavelmente sorririam para eles,
ajudariam, apoiariam. Construir um hábito de enxergar assim fez com
que isso aparecesse por todo o lugar. Em A vantagem do cérebro feliz,
Shawn Anchor descreve isso como o Efeito Tetris. Você joga Tetris o
suciente e vê suas formas características em todo o lugar. Igualmente,
você vê sucientes comportamentos de trabalho árduo de seus pares,
suciente generosidade e bondade, suciente sucesso acadêmico, o que
muda sua visão do mundo. Isso, também, é algo que podemos usar na
sala de aula, reconhecendo que para onde direcionamos a atenção de
nossos alunos pode ser uma profecia autorrealizada. Narrar o trabalho
bom e árduo, e a produtividade em torno deles, ajuda a ver quando está
presente e aprender mais com a sua observação