Tiziano é Deus e o Tambaqui é um dos seus profetas.Porque é que um livro onde um cachorro e dono passeiam por Veneza à procura de Tiziano conversaria com a história de alguém perdido na Rondónia rodeado de morte?Tiziano é Deus e o Tambaqui é um dos seus profetas. Um amigo livreiro (o Dionisius) que leu o Dormindo Entre Cadáveres e o Meus Mortos disse-me que “as obras conversam entre si”. Ouvir que algo que escrevi podia de alguma forma comunicar com o trabalho de Diogo Mainardi foi surpreendente. Então, embora desconfiado que fosse apenas publicidade enganosa para encher os bolsos à custa do leitor inocente (é sabido que ter uma livraria em 2025 é ótimo para enriquecer rapidamente), comprei o livro. Não me arrependi. É um livro muito interessante (realmente, chato é a única qualidade inaceitável num livro). Mas porque é que um livro onde um cachorro e dono passeiam por Veneza à procura de Tiziano conversaria com a história de alguém perdido na Rondónia rodeado de morte? Tentei procurar semelhanças. ![]() Cachorro da dona do meu quarto, 2025, Parucci / Cachorro do Federico II de Gonzaga, 1529, TizianoAmbos usam humor escatológico (e falo no sentido teológico, não em termos de detritos). Mainardi mostra o seu amor por Tiziano desvendando o seu próprio traseiro. Não é uma contradição. Há um desprezo pelo respeito das pequenas convenções e uma adoração da arte. Por isso “Tiziano é Deus”, o que anuncia o livro como uma heresia. A arte é a principal arma contra o absurdo da vida, e o ridículo é o melhor que se pode usar contra ridículo da existência, que nem a técnica do fogo contra fogo. Ambos foram escritos como catarse do período da pandemia. Obrigar o leitor a relembrar para ajudar o autor a esquecer, dissolvendo assim as lembranças pessoais no mar da memória coletiva. E, claro, todos os livros sobre morte na realidade falam sobre a vida. Delacroix tem razão: “Tiziano é feito para ser degustado por aqueles que envelhecem”. Contemplar o belo é uma aprendizagem que não é para novos. E, finalmente, em ambos existe uma exposição da vida pessoal, em particular dos falhanços. “O legado de um homem cinza, incapaz de produzir algo que merecesse ser recordado pertencente a uma estirpe cinza, que viveu numa época igualmente cinza.” Mas não é por sermos falhados (o que toda a gente é), mas é sim por sabermos que somos falhados (epifania que nem todos alcançam) que nos autorizamos a fazer algo ousado que poderia acabar por ser brega. De facto, a arte ousada é funâmbula, pode cair facilmente no abismo do tosco. Meus Mortos é uma fotonovela com fonte de ‘graphic novel’, não dá para afirmar que não era um trambolhão à espera de acontecer. Aliás, sendo sincero, pensava que isso fosse acontecer até começar a leitura. Felizmente, o Meus Mortos não se estatelou no alcatrão, e os funâmbulos conseguem ser sublimes quando têm habilidade para se manterem nas alturas. Contudo, com vantagem para o leitor de Meus Mortos, também existem muitas diferenças. O livro de Mainardi está cheio de beleza, várias iterações da beleza. Transborda Tiziano, Rubens, van Dyck, Rembrandt, Velásquez e muito mais. O Dormindo Entre Cadáveres tem apenas um delicioso tambaqui. O Meus Mortos tem a sua parte de eulogia, acho que a mãe do Diogo certamente teria gostado do livro. ** Vocês podem comprar Dormindo entre cadáveres e os Meus mortos na Livraria [trabalhar cansa] - além de ajudar os livreiros da casa, podem ainda fazer suas próprias comparações entre as obras. O senhor(a) é atualmente um(a) assinante gratuito(a) de Livraria Trabalhar Cansa. Para uma experiência completa, faça upgrade da sua assinatura. |
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domingo, 28 de setembro de 2025
Tiziano é Deus e o Tambaqui é um dos seus profetas.
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