PRINCÍPIO 3: AQUILO A QUE OS ALUNOS PRESTAM ATENÇÃO É O QUE IRÃO APRENDER
PRINCÍPIO 3: AQUILO A QUE OS ALUNOS
PRESTAM ATENÇÃO É O QUE IRÃO APRENDER
e hidden loves of learners, de Graham Nuthall, é um livro fascinante,
em parte porque descreve momentos pequenos e banais nas vidas de
alunos comuns.
12 Conforme mencionei antes, uma das suas principais
premissas é que os alunos aprendem ideias e conteúdo com os quais
entram em contato por três vezes diferentes – especialmente se cada
interação for abrangente e se as interações apresentarem a informação
de formas ligeiramente diferentes. Mas ele observa que isso só se aplica
a alunos que estão prestando atenção. Por exemplo, um grupo de
alunos está aprendendo sobre a Antártica, e a expectativa é que tenham
aprendido que a Antártica é um dos lugares mais secos no planeta.
Alguns aprenderam, outros não. Nuthall observa que um aluno
chamado Teine está cochichando com um colega e passando bilhetes
enquanto está passando um vídeo sobre a natureza desértica da
Antártica. Teine não aprende o conteúdo. Outro aluno, Tui,
normalmente decide que já sabe o conteúdo e não ouve atentamente.
Ele não está passando bilhetes, mas não está prestando atenção e
também não aprende.
Isso revela um fato óbvio, mas importante sobre educação: em
qualquer ambiente de aprendizagem, algumas pessoas se desenvolvem
rapidamente, e algumas se desenvolvem mais lentamente. Um fator
importante nas velocidades que os indivíduos aprendem é sua
capacidade de concentração por um período de tempo signicativo. Os
estudantes parcialmente focados ou focados por pouco tempo
adquirem domínio das coisas mais lentamente e com mais diculdade.
Isso frequentemente é aparente quando trabalhamos com alunos com
problemas de atenção diagnosticados, mas é claro que a habilidade de
manter o foco está desigualmente distribuída entre todos os alunos (e
adultos). Sua força é um impulsionador oculto do progresso.
Com base na técnica 48, Hábitos de atenção, “atenção seletiva” é o
termo para a habilidade de focar na tarefa em questão e ignorar a
distração. É a habilidade de selecionar ao que você presta atenção –
excluir as distrações e travar o sinal – e tem “efeitos reverberantes” no
sucesso na linguagem, alfabetização e matemática, observam as
cientistas cognitivas Courtney Stevens e Daphne Bavelier. Eles
acrescentam que potencialmente há “grandes benefícios em incorporar
atividades de treinamento da atenção ao contexto escolar”.
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Não causa surpresa que a construção de fortes hábitos para focar e
manter a atenção – um aspecto fundamental de como os educadores
ajudam a apoiar alunos com décits de atenção – é útil para todos os
alunos. Ainda assim, a atenção pode variar de momento a momento,
mesmo para a mesma pessoa. Os alunos podem se concentrar
profundamente em um ambiente e car dispersos em outro, e essa
variabilidade nos faz lembrar que os ambientes de aprendizagem
moldam os hábitos de atenção. Dar atenção à atenção – construir
hábitos de manutenção do foco – é uma das coisas mais importantes
que os professores podem fazer. Se houver um modelo mental de uma
sala de aula produtiva, ele certamente incluirá alunos capazes de se
perderem dentro de uma tarefa e trabalharem nela com constância por
um período signicativo. Dessa forma, constrói-se um ambiente onde a
concentração pode ser mantida em segurança e cultiva-se com cuidado
a habilidade de focar nas tarefas.
Fazer isso sempre foi necessário e um desao, mas provavelmente
nunca como atualmente, quando a capacidade da tecnologia de afetar e
prejudicar a atenção é muito maior do que jamais foi. Os educadores na
década de 1960 argumentavam que a televisão prejudicava a atenção e o
foco dos alunos, mas os jovens na época não andavam por aí com uma
televisão em seu bolso. A televisão não era a mídia para a qual todas as
interações sociais dos jovens se direcionavam. Os jovens não checavam
veladamente – ou abertamente – suas TVs a cada poucos minutos
durante a aula. Eles não estavam habituados à necessidade de checar
suas televisões a cada poucos segundos. Uma pessoa jovem – e um
adulto – nos dias de hoje possui poucas roupas sem um bolso para
carregar o celular. O pressuposto – demonstrado nas roupas – é que
nossos telefones estão e precisam sempre estar ao nosso alcance.
Silenciosa e gradualmente, a dosagem e a acessibilidade da tecnologia
aumentaram ao ponto de terem afetado profundamente não só o nível
de atenção, mas também a capacidade geral de ter atenção para a
maioria das pessoas. Embora a abordagem dos professores sobre
capacidade de atenção sempre tenha sido parte essencial, embora
implícita, de uma sala de aula produtiva, ela está rapidamente se
tornando mais urgente. Não estamos apenas nos esforçando para
ajudar os alunos a aprenderem a se concentrar no que é importante;
estamos lutando com uma tecnologia massiva e disseminada que atua
em nossos alunos – e em nós mesmos – para prejudicar essa capacidade
fundamental a cada minuto do dia. As escolas e professores agora
precisam constantemente planejar suas escolhas e decisões com esse
desao em mente, se esperam ter sucesso. É o maior desao que surgiu
na educação desde a publicação da versão anterior deste livro.
Em seu livro Trabalho focado, Cal Newport examina o fenômeno da
atenção no ambiente de trabalho, estudando as condições necessárias
para produzir um trabalho do conhecimento de classe mundial. O
sucesso em tal contexto requer que você “aprimore sua habilidade de
dominar coisas difíceis”, ele observa. Um cientista da computação por
treinamento usa a escrita de códigos como um exemplo. Ser capaz de
produzir os códigos técnicos complexos é algo notável em que é preciso
ter um bom desempenho, especialmente hoje em dia, pois o trabalho
do conhecimento nunca foi tão valorizado na sociedade. Um código se
move livremente e na velocidade da luz por todo o globo. Se você o
escrever bem, seu público de usuários potenciais é quase ilimitado. Mas
esse estado das coisas – você em seu ambiente confortável, escrevendo
o código e saboreando um café enquanto o mundo clama por mais e
mais – tem uma desvantagem. Os códigos de todos os outros também
se movem livremente e na velocidade da luz por todo o globo.
Qualquer linha deles escrita em qualquer lugar no mundo
imediatamente está competindo com o seu código. Todo trabalho do
conhecimento é cada vez mais assim, escreve Newport, e para ter
sucesso você não só precisa ser capaz de se concentrar para produzir
alguma coisa peculiarmente inteligente, mas também “ser capaz de
fazer isso rapidamente, repetidamente”, com “isso” sendo a habilidade
de atingir maestria com coisas novas e difíceis. O segredo para ter
domínio sobre material complexo com velocidade e talento, escreve
Newport, é a habilidade de manter estados de atenção continuada e
concentração profunda. Aqueles que são capazes de focar melhor e por
mais tempo se destacam na multidão.
No entanto, Newport também observa que nunca foi tão difícil
construir essas mentalidades focadas, porque nossas vidas diárias (que
incluem nossos ambientes de trabalho e aprendizagem) integram a
distração, a falta de concentração e estados de constante atenção
parcial. Elas prejudicam em vez de construir os tipos de foco mental
que, em última análise, conduzem a tanto sucesso. A concentração,
conclui ele, jamais foi tão recompensada e tão difícil de ser obtida.
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Um termo útil para compreender o porquê é “atenção residual”.
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Quando você troca de uma tarefa para outra, sua mente permanece
parcialmente focada na tarefa prévia. Você faz uma pausa durante um
projeto para checar seu e-mail e quando retorna ao projeto, sua mente
ainda está parcialmente em seu e-mail, mesmo que não se dê conta
disso. Você agora tem menos probabilidade de realizar seu melhor
trabalho. Isso é especialmente prejudicial, aponta Newport, para a
aprendizagem de coisas novas e difíceis, mas pesquisadores
descobriram que as pessoas, na maioria dos ambientes de trabalho,
operam em estados constantes de distração em baixo nível. Acontece
também com os estudantes. O estudante do ensino médio
(possivelmente mais maduro que os alunos do ensino fundamental),
mesmo sendo exemplo de sucesso e interesse acadêmico, ainda alterna
as janelas do seu computador a cada 19 segundos, por exemplo.
Mas, além do resíduo da atenção, há uma questão mais ampla: nossos
cérebros são neuroplásticos, o que signica que eles se reconectam
dependendo de como os usamos. A forma como nós, e especialmente
os jovens, os usamos cada vez mais envolve a alternância constante de
tarefas. A média para um adulto é a cada dois minutos e meio e, para
pessoas mais jovens, certamente é mais. O resultado é não só que
frequentemente estamos mais distraídos do que idealmente seria, mas
também que somos cada vez menos capazes de manter o foco. Nossos
cérebros cada vez mais esperam que as distrações “pipoquem” e cam
agitados e distraídos pelo adiamento dessa graticação. Como arma a
especialista em produtividade Maura omas em um artigo recente,
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“Nossa produtividade sofre não só porque somos distraídos por
interrupções externas, mas também porque nossos cérebros...por si só
se tornam uma fonte de distração”.
“Dar uma passada de olhos é o novo normal”, arma Maryanne Wolf
em O cérebro no mundo digital, um dos livros mais profundos e
importantes sobre aprendizagem nos últimos anos. Ela descreve o
quanto a exposição constante à tecnologia nos distrai no momento e
reprograma nossos cérebros para serem menos atentos, menos capazes
de atenção e menos capazes de manter estados reexivos necessários,
em particular, para uma leitura verdadeira e signicativa. Talvez você
note isto em si: nos últimos anos, você começou a passar seus olhos
rapidamente pela página enquanto lê, avançando até o m dela à
procura de... alguma coisa. Esse é seu cérebro, programado para
distração por um ambiente digital em que sua atenção sustentada
média a qualquer tarefa é de menos de dois minutos, procurando por
alguma coisa nova e instantânea. Em outras palavras, é você, não só
falhando em prestar atenção, mas também perdendo a capacidade de
prestar atenção. Quem já viveu uma vida em que a tecnologia era mais
limitada consegue notar isso e a falta de foco que costumava ter. Seus
alunos não viveram e não vivem uma vida assim. A maioria deles não
conheceu essa realidade.
Esse fato suscita várias questões para os professores. Os ambientes
que eles desenvolvem em suas salas de aula integram a atenção
sustentada ou a atenção fragmentada e inconstante? O que eles podem
fazer para ajudar seus alunos se observam, individualmente ou como
um todo, que eles requerem habilidades mais fortes de atenção?
Recentemente me encontrei com um diretor que conheço e lhe
perguntei sobre seus alunos e como eles estão mudando. “A capacidade
de atenção é cada vez menor”, observou ele. “Especialmente porque a
maioria dos alunos não lê mais fora da escola, a menos que tenham pais
que leiam. Mas estamos fazendo o melhor que podemos para adaptar
nossa maneira de ensinar”. Foi uma conversa curta, e nunca descobri se
o que ele pretendia dizer era: Estamos adaptando a maneira de ensinar à
atenção reduzida dos alunos, dando a eles tarefas que requerem menos
foco sustentado, ou Estamos adaptando nossa maneira de ensinar para
tentar integrar a concentração e melhorar a capacidade de atenção dos
alunos engajando-os em períodos continuados de trabalho em uma única
tarefa. Em outras palavras, eles estavam aderindo à mudança ou
contra-atacando? Essa questão é crítica. A última, contra-atacar, pode –
e talvez deva – ser alcançada. Se você assistir aos vídeos referenciados
neste livro, acredito que verá muita alegria, energia e aprendizagem
num ritmo rápido, mas também com certeza verá, em quase todas as
salas de aula com alto rendimento, alunos que conseguem manter o
foco em uma única tarefa, muitas vezes em silêncio, com determinação
e de modo independente. Isso é possível, em parte, porque os
professores priorizaram e desenvolveram a capacidade de focar desses
alunos, com o tempo, até que se tornasse um hábito.
Você também verá, nos vídeos, ambientes onde perturbações
constantes ao trabalho, ao pensamento e à reexão são raras, porque os
professores sabem que os alunos merecem isso.
Mesmo que o nível da capacidade de focar seja diferente em cada
aluno, podemos desenvolvê-la tanto quanto possível. Alcançar isso
sempre foi um dos resultados mais importantes da escolarização –
mesmo que esse fato nem sempre seja identicado ou reconhecido. A
escola é um dos últimos lugares que podem tentar isolar os jovens da
distração constante, da superestimulação digital e da alternância de
tarefas. Com certeza existe um lugar para os dispositivos digitais na
aprendizagem, mas existe igualmente uma necessidade de car por um
tempo sem eles. Proporcionar doses regulares de tempo livre de telas e
distração, com reexão meditativa – lápis, papel, livro – é o maior
presente que podemos dar aos jovens.
Em 1890 (quando high-tech signicava inovações modernas, como a
máquina tabuladora), o psicólogo William James observou, em e
principles of psychology, algo mais sobre a atenção: aquilo ao que
prestamos atenção molda nossa cognição de forma mais ampla. “Minha
experiência é que eu concordo em prestar atenção”, ele explica,
antecipando um vasto leque de pesquisas no século XXI que sugerem
quão profundamente aquilo ao que prestamos atenção nos molda. A
atenção, em outras palavras, não é apenas um tipo de “músculo que nos
permite continuar olhando”, como argumentou minha colega Hannah
Solomon em uma conversa sobre esse tema, mas também “a lente
através da qual nós estudantes olhamos”, o que também precisa ser
considerado.
Então, como dar atenção à atenção na sala de aula? A seguir estão
algumas reexões iniciais. Você certamente encontrará mais.
Você deve construir fortes hábitos de escrita com foco sustentado por
meio da técnica Solo silencioso e ampliar o tempo que os alunos podem
se engajar na escrita. Deve, também, usar a Leitura em FASE para
treinar os alunos a focar no que estão lendo sem interrupção, por um
tempo, e ajudá-los a experimentar o prazer de ter foco. É o prazer de
“uir”, como algumas pessoas chamam, o momento em que nos
perdemos em uma tarefa, e o resto do mundo – incluindo os telefones e
as telas – desaparece. Ajude os alunos a aprenderem a se concentrar
durante o ensino e as discussões por meio dos Hábitos de atenção e dos
Hábitos de discussão. Coloque em ação a técnica Virem e conversem e
pense sobre como trazer o conceito de “uxo” para sua própria maneira
de ensinar, por meio das ferramentas apresentadas no Capítulo 6,
“Ritmo”. Outra questão importante é o ambiente cultural e
comportamental em sua sala de aula. Você consegue manter os
momentos para pensar livres de interrupção? Se os alunos gritam as
respostas tão logo você pergunta, não pode impor o tempo de espera
como uma ferramenta chave, que permita que os alunos reitam e
foquem nas perguntas. Se esse for o caso, inicie com Meios de
participação.
Como o parágrafo anterior me faz lembrar, este livro pode no m das
contas tratar-se, antes de mais nada, sobre construir e manter a atenção.
Finalmente, existe a tecnologia a considerar. Muitos professores
presumem que tarefas feitas usando a tecnologia ou uma tela têm mais
valor. Acham que é inerentemente bom conectar a sala de aula. A
tecnologia nos dá imenso poder, mas também vem acompanhada de
profundas desvantagens. Não usar a tecnologia (evitá-la) é tão
importante quanto usá-la. No entanto, esses professores e nós
concordamos que a escola não é lugar para distrações constantes.
Escrever com lápis e papel, fazer anotações à mão, ler livros impressos:
há inúmeras pesquisas demonstrando que essas atividades são muito
mais benécas do que a mesma tarefa realizada em uma tela.
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