Setembro se encerra e também o inverno. Mas por cá seguimos a trabalhar para levar a vocês, leitores, o melhor do mundo dos livros. ** O grande destaque da semana é o lançamento em terras brasileiras de Central Europa, do escritor americano William T. Vollmann, cuja obra é objeto de culto e louvor entre nove de dez intelectuais, críticos literários e escritores deste Substack, Comparado a nomes como Thomas Pynchon, Don DeLillo e David Foster Wallace, Vollmann nunca antes havia sido publicado por cá, e Central Europa é considerado a porta de entrada para o universo maximalista deste híbrido de “jornalista-historiador-etnógrafo-romancista”. Grosso modo, Central Europa é uma teia de narrativas interligadas que tem como pano de fundo a histórias russa/soviética e alemã/nazista de 1914 a 1975, concentrada nos anos da Segunda Guerra Mundial. No centro desta narrativa, que podemos dizer tratar-se de uma “metahistória”, está um triângulo amoroso imaginário entre três pessoas reais: o compositor russo Dmitri Shostakovich, o documentarista Roman Karmen e sua amante em comum, Elena Konstantinovskaya. Boa parte da crítica comenta sobre o método clínico, documental e transicional do autor, um deles aconselha o leitor a ajustar suas expectativas: “tratar alguns capítulos como ópera, outros como prosa acadêmica, outros como fragmentos do caderno de um historiador.” Nossa expectativa é grande na leitura deste caudaloso romance, e ficamos na expectativa que novas obras do autor sejam traduzidas para nosso deleite, especialmente Rising Up and Rising Down, um tratado em sete volumes sobre violência política que Vollman escreveu ao longo de vinte anos, ou ainda a série Seven Dreams, um septeto de romances que tratam dos “repetidos conflitos entre nativos americanos e seus colonizadores e opressores europeus”, que abrange centenas de anos e foi publicada fora de ordem. ** Uma autora que merece nossa atenção e de vocês, leitores, é Marina Stepánova, que chaga a nós pelo selo Poente, da editora WMF-Martins Fontes em dois romances: Em memória da memória e Desaparecer. Nascida em 1972 em Moscou, portanto eis mais um autor russo para nossa galeria russófila, Stepanóva tem uma carreira literária de primeira grandeza. Poeta, ensaísta, jornalista, sua obra já foi traduzida para dezenas de países, especialmente sua poesia. Mas por aqui temos estes dois romances que lidam com o poder da escrita de reter a vida, de transmutar e dar significado à nossa existência. Em Memória da memória, Stepanóva precisa lidar com a morte de sua tia e se depara com um apartamento repleto de fotografias desbotadas, cartões-postais antigos, cartas, diários e pilhas de souvenirs: um repositório murcho de um século de vida na Rússia. Cuidadosamente remontados com mãos calmas e firmes, esses cacos contam a história de como uma família judia aparentemente comum conseguiu sobreviver às inúmeras perseguições e repressões do século passado. Em diálogo com escritores como Roland Barthes, W. G. Sebald, Susan Sontag e Osip Mandelstam, Em Memória da Memória é imbuído de rara curiosidade intelectual e de uma voz maravilhosamente suave e poética. Mergulhando em várias formas – ensaio, ficção, memórias, relato de viagem e documentos históricos – Stepanova reúne um vasto panorama de ideias e personalidades e oferece uma exploração inteiramente nova e ousada da memória cultural e pessoal. Críticos especializados na literatura pós-soviética revelam que Stepanova deu nova vida à técnica skaz de contar uma história por meio da fala confusa de um narrador não confiável, usando jogos de palavras maníacos e o que um crítico chamou de “um carnaval de imagens”, este talvez seja o melhor modo de descrever Desaparecer, o outro livro publicado este ano por estas terras e que lida com aquilo que é o mais característico da Rússia contemporânea (e de nosso própria realidade): a pós-memória que domina os campos da política e da cultura. ** Jon Fosse é um preferido da casa, isso vocês já sabem, tanto que indicamos recorrentemente seus livros por aqui. O que talvez vocês ainda não saibam é que o autor norueguês acaba de lançar um livro voltado para os leitores mais importantes do universo das letras: as crianças! A Pequena Violinista foi lançado originalmente em 2009, e agora ganha tradução em português. Na história, uma menina usa seu violino e sua habilidade musical para enfrentar desafios e resgatar seu pai e resgatar seu pai de uma ilha distante. A narrativa traz os elementos que fizeram a fama do escritor, até a linguagem minimalista e reiterativa. Com ares fabulescos, a obra foi ilustrada pelo artista norueguês Øyvind Torseter, que realizou um trabalho primoroso misturando desenhos e recortes de papel para criar um efeito parecido com os dioramas. A tradução é de Guilherme da Silva Braga, responsável por transpor para Português as demais obras de Fosse. ** Por fim encerramos as dicas de hoje com um título que chama atenção por ser daqueles que já de cara se inserem naquela linha que adoramos: o ensaio filosófico. Os limites da minha linguagem, de Eva Meijer, publicado por aqui pela editora Âyiné - uma das melhores editoras do país, diga-se! - estabelece um diálogo com Hipócrates, a melancolia de Freud, o Tractatus de Wittgenstein. Estamos diante de uma análise brutalmente honesta e incisiva da depressão – um tempo paralisado, um presente pantanoso, «um cinza que suga todas as cores até que reste apenas a lembrança delas». Mas, para Meijer (e para muitos que sofrem dessa condição), a depressão também é uma busca incessante pelas pequenas e grandes coisas que dão fôlego e valor à vida, mesmo quando a terra «te atrai para si com mais força do que o normal»: seja a música, correr na praia com um cachorro, a escrita, o conforto de um gato ou o silêncio que expande o espaço. Nesta «pequena investigação filosófica», a depressão é muito mais do que um problema químico: as questões que ela levanta são essencialmente humanas e tocam temas fundamentais como a autonomia do indivíduo, as relações de poder, a solidão e a conexão entre corpo e mente. Ela não deve apenas ser «tratada» (com medicamentos ou psicoterapia), mas compreendida. Por isso, a autora dá voz à sua própria experiência depressiva, explorando «os limites da linguagem» que tentam, vez após vez, costurar «os buracos do mundo», dar forma ao que parece escapar de qualquer forma. ** Vocês podem comprar todos os livros indicados na nossa loja online ou fazer seus pedidos diretamente pelo WhatsApp (11) 97860-6565. Cada livro vendido faz muita diferença pra gente e ajuda nosso projeto cultural, por isso agradecemos imensamente a vocês, leitores. ** Apoie nosso projeto cultural, nossa livraria. Algumas maneiras simples de ajudar:
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sábado, 27 de setembro de 2025
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