Obrigado pela sua leitura! Neste mês de agosto, em que se comemora a data da morte de Getúlio Vargas, fica cada vez mais nítido de que o que os brasileiros precisam é de alguém com a ousadia moral de um Sólon. Modelo de legislador para um sujeito rigoroso como Platão, Sólon, quando percebeu os primeiros sinais de decadência na frágil ordem da pólis ateniense, afirmou que a culpa nunca foi dos deuses, como muitos queriam pensar, mas sim dos próprios atenienses que, por não terem compreendido a “medida invisível” da justiça divina que mora dentro de cada alma, revoltaram-se contra a natureza das coisas, prejudicando a estabilidade social e política de Atenas. Obviamente, ele foi escorraçado pelo povo, e sua única escolha foi o exílio, para que o “julgamento do Tempo” desse a resposta justa, sempre em conformidade com a “medida invisível” que orientava a sua alma em direção à verdade transcendente. Hoje, pouca coisa mudou – e se mudou, foi para pior. A simples menção da palavra “transcendência” na boca de um político virou um palavrão cabeludo. Mas o sinal claro de decadência está no espinho da culpa, que perfura nossas mãos justamente por fazermos um joguinho de empurra-empurra em que a responsabilidade sempre é do Estado, da sociedade capitalista, da pobreza mundial, da Igreja Católica, do FMI, dos Estados Unidos, do PT, do Donald Trump, do Banco Central, da Dercy Gonçalves, dos finados Roberto Marinho e Sílvio Santos e, quiçá, do vizinho da esquina, quando, na verdade, a culpa de estarmos neste pandemônio é da nossa natureza mesquinha, enraizada numa inveja metafísica que os acadêmicos catalogaram no eufemismo burocrático do “homem cordial”. Os discursos populistas de um Lula e de um Jair Bolsonaro sintetizam, cada um a seu modo, os quatro tipos de político que o brasileiro deseja ser, para então agir por si mesmo nos bastidores do poder: o operário orgulhoso de sua ignorância; o patriota-nacionalista-estatólatra-peso-pesado que usa agora do discurso do Estado Mínimo para atrair mais eleitores; o senador do establishment que transita tranquilamente entre os anseios da classe media; e o caudilho simpático. Para eles, ter um pouquinho do “complexo de messias” (acentuado ainda mais na figura de Bolsonaro, que, como vimos, tem esta palavra no próprio sobrenome) é a mesma coisa de querer ter a dignidade de um Sólon. São políticos medíocres para um país mais medíocre ainda, que sequer passou por um verdadeiro trauma, um trauma que poderia fazer crescer a alma nacional e adicionar um pouco de nobreza no cotidiano. Entretanto, para assumir a responsabilidade sobre algo que já está dando errado há mais de quinhentos anos, é necessário ter o aprendizado do sacrifício e purgar o espinho da culpa. O problema é que o brasileiro esqueceu-se do significado da palavra “sacrifício”, pois sequer tem a coragem de enfrentar a realidade implacável da morte. Vivemos em um eterno pandemônio, financiado pelo mantenedor de inúteis chamado Estado, e se o sexo é nossa razão de ser, porque não aproveitamos para transformá-lo em uma nova forma de negócio? O aspecto lúbrico da mentalidade brasileira se espalha pela nossa intelligentsia, rodeada de cafetões e prostitutas, prontas para vender seu pensamento em nome dos defuntos Fidel Castro e Hugo Chávez, dos pedófilos ou em homenagem a assassinos transformados em heróis de papelão. Nestas terras em que as aves só sabem gorjear ao som da Internazionale, pensar na morte é um pecado mortal porque quem manda na História, segundo as nossas cabeças pensantes, é a luta pelo poder – e o poder faz o sujeito imaginar que pode vencer a indesejada das gentes. Isto me fez lembrar um fato pitoresco, ocorrido em agosto de 2002, quando Ciro Gomes, acompanhado por ninguém menos que o então vivo-e-saltitante Leonel Brizola e por sua namorada da época, a atriz global Patrícia Pillar, visitaram o túmulo de Getúlio Vargas em São Borja, durante a comemoração da morte deste último. Seria mais um fato corriqueiro na história política do país, se não fosse pela declaração que Ciro fez no discurso em homenagem ao caudilho: “É um momento alto para a minha alma”. Poderiam ser também meras palavras, mas elas simbolizam um momento terrível: o de que, finalmente, passamos da democracia para a tirania – e, o pior, sem sabermos disso. Não há nenhuma nobreza na alma de alguém que faz uma homenagem a Getúlio Vargas. O que Ciro Gomes fez foi pior ou igual aos cândidos olhares que Lula e Dilma Rousseff trocaram com Fidel Castro ou Hugo Chávez e ao desespero hipocondríaco que geralmente sofre José Serra, ao apoiar-se naquele socialista fabiano que sempre foi Fernando Henrique Cardoso. Vargas era um ditador, um homem que acreditava que tudo girava em torno do poder; um admirador entusiasmado de Mussolini (escondia um retrato do Duce em seu gabinete); foi o criador deste monstro chamado Consolidações das Leis do Trabalho, a famosa CLT, inspirada na Carta di Lavoro do fascismo italiano; além de ser um amante fiel do Estado-Leviatã, criando dinossauros que até hoje atormentam o povo brasileiro, como a Petrobrás. Como se não bastasse, foi um suicida – e um homem que se suicida não passa de um fraco, porque é incapaz de capturar o verdadeiro momento alto da sua alma, escolhendo a morte como uma fuga das armadilhas que o poder lhe aprontou. Ao abrir sua alma no jogo político, Ciro Gomes mostrou qual foi a sua escolha: a de ser um político que, em vez de criar um tecido bem urdido e coeso, preferiu os retalhos do populismo e, com o princípio da igualdade dominando a sua alma, ela se torna excessivamente democrática, para se cristalizar na mais odiosa das tiranias. Mas o que seria um homem tirânico? Seria aquele que detém o poder absoluto, sobre tudo e sobre todos? Segundo Platão, em A República, a alma do tirano quer impor uma ordem estranha ao mundo, uma ordem que sequer seu íntimo sabe da sua existência, pois, por ser uma consequência da alma democrática, ela não possui nenhuma hierarquia em suas paixões – e, portanto, nenhum domínio sobre as qualidades que devem ter o bom estadista: sabedoria, coragem, temperança e justiça. O tirano desconhece essas quatro qualidades; elas vivem dentro dele em constante embate, sem nenhuma lógica, exceto a do sentimentalismo tóxico, refletido numa carisma que, por ter um toque messiânico, cativa a opinião popular. Logo, o tirano é o mais infeliz de todos os homens, porque depende dos outros para a sua aprovação e, quando não a consegue, tenta impô-la através da coerção. Tudo isso está esboçado quando Ciro Gomes (e outros) diz que faz parte da tradição de Getúlio Vargas. Ninguém em sã consciência poderia afirmar que é “um momento alto para a sua alma” homenagear uma pessoa que contribuiu para o declínio moral do Brasil como tentativa de civilização. Contudo, nos últimos tempos, o que mais falta às mentes pensantes do país é justamente qualquer tipo de consciência – e, em especial, consciência em admitir que erraram e que a culpa por esta lição de trevas que estamos sofrendo agora é de todos nós. Vargas foi o tirano em seu estado mais refinado e não podemos deixar que um outro venha em seu lugar, para saborearmos o gostinho do inferno. O problema é que, na política brasileira, estamos completamente rodeados por almas tirânicas, apenas com uma diferença ou outra de intensidade e de gradação. Isso é o que ocorre quando se acredita piamente na democracia. Todos os políticos são bem-educados (bem, exceto talvez Bolsonaro), bem vestidos, bem assessorados, mas nenhum é sincero para mostrar que querem a mesma coisa que Vargas: o poder. São cegos para verem além desse mundo, procurando uma justiça que, acompanhada pelo adjetivo “social”, só tende a destruir o espírito e criar ruínas, ao invés dos grandes castelos que planejam. Mas eles não estão sozinhos: jornalistas, professores, estudantes, artistas, filósofos – várias pessoas contribuem para este embotamento da razão humana, levando-nos a um período histórico que só tem paralelos com o da Alemanha de 1933, antes da eleição de Hitler, e o da decadência de Atenas em torno dos anos 350 a.C., em que o Mal mostrava ser uma patologia coerente, com uma lógica bem peculiar, e que não tinha nada a ver com a pureza da ignorância. Nesta guerra, em que a ordem do indivíduo se opõe à (des)ordem da sociedade, sobram apenas uns poucos, protegidos nas pequenas fortalezas de suas almas, e que a maioria não hesita de chamarem de malucos, pelas palavras doloridas e cruéis que cravam na pele de seus inimigos. Mal sabem eles, mas estes são as verdadeiras sentinelas, aquelas que se sentem verdadeiramente responsáveis pelo o que acontecerá. Eric Voegelin, em uma conferência realizada na Alemanha nos anos 1960, disse que, para diagnosticar corretamente o coração do Mal, temos de agir como o profeta Ezequiel: avisarmos a todos que a trombeta está tocando, dissuadi-los a saírem do caminho da injustiça, pois somos os que cuidam daqueles que morrerão, e cada um que for destruído pela espada e pelo fogo, a culpa cairá sobre a sentinela que não o avisou. Não se pode ser sereno com a aproximação do grito do Mal nos ouvidos moucos, muito menos ser bem educado. “O príncipe das trevas é um cavalheiro”, escreveu Shakespeare em Rei Lear, e a sentinela deve ter a aspereza do espírito, a mesma aspereza que machuca os fracos de caráter, com a adaga da culpa e da consciência, para, enfim, um dia, torná-los fortes, impedindo-os de realizarem as homenagens macabras que levaram a nação ao caminho do irracional e do desumano. A idolatria do brasileiro ao espectro de Getúlio Vargas – esse gentleman da política nacional – joga a alma brasileira para um velório de projetos falidos e de ilusões que pretendem ser vendidos como se fosse parte da realidade. Mas o mundo do sonho não sobreviverá por muito tempo, uma vez que mundo nenhum suporta tamanha alucinação. É necessário que a sentinela se prepare com os sentidos afiados da irritação e da ternura, para nos alertar quando começará o pesadelo, no momento exato em que a espada e o fogo cruzarem o solo com a fúria da verdadeira justiça. Quem quiser colaborar com o meu trabalho, além do valor da assinatura desta newsletter pessoal, pode me ajudar por meio do pix: martim.vasques@gmail.comE quem quiser apertar o botão abaixo só para fazer a minha felicidade - e manter essa newsletter de modo mais profissional, be my guest: You're currently a free subscriber to Presto. For the full experience, upgrade your subscription. |
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quarta-feira, 27 de agosto de 2025
O Julgamento Do Tempo
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