#EsperançaFutebol jamais deveria ser sobre satisfação ou consumo de vitórias, mas sobre pertencimento e lealdadeCaro leitor, não sei se já revelei isso aqui. Sou daqueles palmeirenses de frequentar estádio. Minha esposa diria: um fanático. Fanatismo é um processo de amor conturbado. Ainda no ventre, eu já me identificava com o Palestra Itália. Coisa de família. Um dia relato melhor essa história. Hoje, quero falar sobre a relação entre Abel e os protestos da arquibancada do Allianz Parque no último jogo contra o Corinthians. Penso o seguinte: futebol nunca deveria ser sobre satisfação ou consumo de vitórias. É sobre pertencimento. A torcida não deveria ser tribunal, porque antes é parte ativa do drama — do bônus da vitória e do ônus da derrota. Ou seja, é o chão vibrante que desestabiliza o adversário e sustenta o próprio time quando faltam pernas e espírito. Numa palavra: é liturgia. E, como toda liturgia, exige fé. Uma fé sem garantias. Da minha parte, deveríamos apoiar incondicionalmente até o apito final. Protesta-se na segunda-feira. O estádio é o templo da intensidade, não da deliberação cínica. Entrar para “ver se o time merece meu apoio” é esquecer o fundamento desse rito. O time precisa da torcida justamente quando erra, quando falha, quando hesita, quando está perdido, desesperado. Enfim, é mais fácil cantar quando se vence. Difícil é ser voz quando tudo desaba. Quando um torcedor vaia seu próprio time, ele sabota a energia coletiva que define o futebol como fenômeno de pertencimento. Ele rompe a cadeia simbólica que faz do torcedor um combatente e se transforma, sem perceber, num sabotador de arquibancada. O que se viu ontem com a torcida do Palmeiras em relação a Abel é sintomático. O torcedor atual, filho da lógica das redes sociais, consumidor de curtidas e emojis, quer vencer, mas não quer sofrer. Quer resultado, mas não quer participar da construção dele. E, quando o time não entrega, sua frustração explode em vaia, deboche, ataque pessoal. Ou seja: reage como criança mimada. E é nesse ponto que o futebol deixa de ser paixão e vira espetáculo do ressentimento — ou melhor, da frustração de um consumidor. Não sei se foi Nelson Rodrigues quem disse, mas a torcida é o último reduto da esperança. Ela canta para conjurar o impossível. Grita para curvar o destino. Quando ela mesma se entrega ao linchamento simbólico, perde-se todo sentido. A vaia no estádio é como a blasfêmia no templo. Pode até acontecer, mas nunca é digna. Esse torcedor, não tenho dúvidas, pode até dizer que ama o clube. Entretanto, ama como quem coleciona vitórias, não como quem se entrega. E o amor que exige troféu antes do abraço é o tipo de amor que mais mata. Mata o time, mata a mística, mata a comunhão. O estádio é o lugar onde o grito de apoio antecede o gol. Onde o canto sustenta a esperança. Onde o fracasso do time não é motivo de abandono, mas ocasião de lealdade. E isso não serve só ao torcedor do Palmeiras. Serve a todos nós, que confundimos amor com cobrança, fidelidade com exigência, comunhão com desempenho. O estádio revela aquilo que somos fora dele. E se hoje vaiamos mais do que apoiamos, talvez não seja o futebol que tenha se perdido — fomos nós. Porque, no fim, o que resta de um clube não é a estatística, nem a taça, nem a campanha no aplicativo. É o vínculo. E o vínculo só resiste quando tudo desaba. O torcedor que esquece isso, esquece também que a história de um time não se mede em títulos. Mede-se em silêncio e canto. Em ausência e presença. Em derrota e esperança. Sempre esperança. Atualmente, você é um assinante gratuito de Não É Imprensa. Para uma experiência completa, atualize a sua assinatura. |
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domingo, 10 de agosto de 2025
#Esperança
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