Obrigado pela sua leitura! A reação irracional do governo Lula e do Supremo Tribunal Federal à guerra tarifária criada por Donald Trump para ajudar a família Bolsonaro me lembrou muito quando Fernando Collor deu uma inusitada entrevista ao saudoso jornalista Geneton Moraes Neto, ocorrida há alguns anos para o canal por assinatura GloboNews. Foi uma entrevista que me impressionou por dois motivos. O primeiro foi a postura de Collor que, independente de posar às vezes como um Napoleão (“Eu faço a História, vocês escrevem a História”), mostra uma autocrítica implacável de seu desastroso governo e uma lucidez em relação às circunstâncias de seu impeachment - algo que falta a qualquer cientista político que arrota opinião por aí. O segundo motivo foram os seguintes fatos narrados abaixo, os quais ele relatou e que formam um painel assustador da política e, sobretudo, da cultura brasileira: 1) Collor confirmou que a ideia do confisco foi concebida em uma conversa regada a uísque, da qual os participantes eram ninguém menos que Mário Henrique Simonsen, André Lara Resende e – “um jovem que acabara de entrar no mercado financeiro”, nas palavras do ex-presidente – Daniel Dantas. Todos concordaram que o confisco em si era viável em termos técnicos, mas imprudente no aspecto político. Talvez por arrogância, talvez por ingenuidade, Collor decidiu somente pela decisão técnica – e o resultado todos nós conhecemos. 2) Collor também conta que, no dia seguinte à assinatura da medida do confisco, Aloísio Mercadante encontrou-se com Zélia Cardoso de Mello e afirmou que o plano econômico do presidente recém-empossado – então considerado como a oposição “conservadora” ao PT – era justamente a medida dos sonhos da coterie de Lula; eles só não a divulgaram porque sabiam que o Sapo Barbudo (leia-se: Lula) não teria legitimidade política para executá-la. O que isso tem a ver com a cultura de nosso país, em particular com o nosso atual momento, em que se avizinha um combate encarniçado entre Donald Trump e o STF?, perguntará o leitor azedo e purista. Ora, é só juntar as duas pontas que a conclusão vem logo a seguir: há trinta anos que somos governados pelo mesmo tipo de casta política – a saber: uma manada de jacobinos, completamente isolados da realidade cotidiana e que pouco se importam com o que acontece de fato no país. Por essa expressão entenda-se que o povo foi induzido a aceitar uma forma de governo que só se preocupou com o que era concebido em gabinetes com ar-condicionado e nunca com a prudência necessária para a concretização efetiva dos planos. Collor e Lula sempre foram as duas faces da mesma moeda – e isso não é só de agora, mas algo que existia desde 1992 e que o nosso discurso cultural ideológico simplesmente acobertou de forma vergonhosa. Estes mesmos jacobinos continuarão no poder por muito tempo; afinal, é toda uma cosmologia, um temperamento que não se muda da noite para o dia. A prova disso são os dois perfis publicados em uma distante edição da revista Piauí, circa 2009. Todos sabem que não sou fã dos Moreira Salles, mas tenho de cumprimentar o editor-chefe daquela época, Mario Sergio Conti, que consegue a proeza de uma edição cirúrgica, sem cair na bajulação, muito menos na difamação, apresentando sempre um resultado equilibrado. Neste número, os retratos do advogado Marcio Thomaz Bastos e do produtor Luiz Carlos Barreto (ambos já falecidos) mostram aquilo que os morros e as favelas adoram declamar: tá tudo dominado. Thomaz Bastos alega que, daqui a vinte anos, será considerado como o homem que fez “a revolução na Polícia Federal”; e Barretão, que se considera “uma mistura de Jesus Cristo com Al Capone” (palavras que tomou de Roberto Rossellini), acha que menos de 10 milhões de espectadores é “muito pouco” para sua mais recente façanha daqueles anos, Lula – O filho do Brasil (ele queria o dobro disso). Ambos dominam, cada um a seu modo bem peculiar, os dois pilares de sustentação de qualquer sociedade: a justiça e a cultura. Entre uma gravata de preço extravagante e uma garrafa de vinho, entre um afago disfarçado de ameaça e uma ordem de fato, toda uma visão de mundo é imposta ao cidadão sem que ele se dê conta – e, obviamente, sem o conhecimento de saber que o coitado paga uma carga tributária altíssima para todo esse (des)serviço. Enfim, é a instituição da apatia a todo vapor. No passado, eu conversava com um grande amigo meu, José Nivaldo Cordeiro (igualmente falecido), que acreditava que o mundo (e especialmente o Brasil) passaria por um batismo de fogo no melhor estilo apocalíptico. Apesar de concordar com quase tudo com o que ele escrevia, creio que, neste ponto, meu amigo estava errado: não haverá nenhum batismo de fogo por aqui. O que haverá – ou melhor, já existe – é a morte do espírito através de uma tirania da mediocridade, da apatia e da inércia que, na falta de um termo melhor, só posso chamar de pusilanimidade. A cultura nacional está podre por dentro, numa entropia que não deixa nada a dever às visões mais pessimistas de um Tocqueville, de um Henry Adams ou de um Thomas Pynchon. Pessoas como Collor, Lula, Thomaz Bastos e Barretão são os homens ocos do poema de Eliot, aqueles que arquitetaram toda uma estrutura para ser destruída não com uma explosão, e sim com um suspiro. E o pior que não há resistência alguma: salvo a exceção habitual, de libertários a conservadores, passando por soi disant liberais - todos psicopatas em potencial -, a maioria escolheu a estratégia da avestruz, a crença de que podem conseguir tudo por meio da conciliação quando, na verdade, não há diálogo possível com qualquer um que pense como um jacobino. Acreditam que podem conseguir tudo pelo mesmo caminho da ideologia política – a causa da doença da qual somos vítimas sem sabermos a razão e sem sabermos a cura. Se houver alguma resistência, precisamos pensar de uma outra forma, talvez algo que envolva estruturas mais profundas – e mais concretas – do indivíduo. Mas isso se dará quando todos pararem de se vestir só de black-tie (às vezes disfarçados em capas pretas) e de beberem uísque no meio de decisões que atingem milhões de pessoas. Enquanto isso, ficarei a repetir o antigo bordão do meu amigo Nivaldo: Quem viver, verá. Quem quiser colaborar com o meu trabalho, além do valor da assinatura desta newsletter pessoal, pode me ajudar por meio do pix: martim.vasques@gmail.comE quem quiser apertar o botão abaixo só para fazer a minha felicidade - e manter essa newsletter de modo mais profissional, be my guest: Leia também: You're currently a free subscriber to Presto. For the full experience, upgrade your subscription. |
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quarta-feira, 23 de julho de 2025
Eles Só Usam Black Tie
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