#ArianaHarwicz(2)Morra, amor (Instante, 2019) e A débil mental (Instante, 2020): resenha de Vivian SchlesingerParte 2Chamar a sequência que iniciou-se com Morra, amor, de trilogia da maternidade tem também um sentido simbólico, considerando-se o que diz a própria autora: Nasci quando escrevi esse livro, pouco depois do nascimento de seu primeiro filho. Escrevi Morra, amor, imersa naquele desespero entre morte e desejo. O eixo da família perfeita que se transforma em uma rotina insuportável gira ao centro de três conflitos irreconciliáveis: o ideal da maternidade feliz detonado pelo choro insistente do bebê; o matrimônio 'para sempre' agredido pelo marido despreparado para lidar com essa esposa à beira da loucura; o exemplo do amor entre os sogros minado pelo luto permanente da sogra viúva. O cenário do romance é parecido com aquele onde Harwicz vive: um povoado no meio do mato, cercado por animais e bosques. O silêncio esconde a turbulência existente dentro das casas. A mãe narradora é estrangeira, fala o idioma local com sotaque, o que contribui ainda mais à sua alienação. Harwicz resume:
Em um longo monólogo interior ela trava uma insurreição contra si mesma. De um lado, reconhece os elementos da suposta felicidade que não consegue sentir, e por outro, se vê prisioneira da maternidade - uma forma de prisão, uma armadilha, um destino ordinário - de onde só a morte pode libertá-la - a do marido, não a sua. O título do romance em português, Morra, amor, sugere uma morte passiva, diferentemente do original, em espanhol, que não deixa dúvidas: Matáte, amor.
A narrativa não segue um padrão cronológico nem espacial. Em nenhum momento o leitor tem exata certeza de onde está a narradora, e nem se o que narra de fato aconteceu ou se são apenas fantasias dignas de um pesadelo. O trabalho ao redor da voz da narradora é essencial, ela mostra o que pensa, esconde o que faz. Harwicz conduz em uma estrada de fumaça opaca sem sinalização leitor e personagens. O que impede essa mãe infeliz de tomar uma iniciativa? Se tudo é tão ruim, por que ela simplesmente não vai embora? Porque apesar de não seguir uma bússola moral, ama seu bebê. Harwicz, em uma entrevista, disse , Não vejo que a personagem, ou outra pessoa a quem o bebê satura e enlouquece, deixe de amá-lo por isso. Prova isso através de vários gestos de amor pelo bebê: recusa o antidepressivo para não prejudicá-lo; entrega-o ao pai quando entende que estará melhor com ele do que consigo; leva-o para brincar no seu espaço secreto no bosque. O vínculo com a natureza é fator de afastamento, e ao mesmo tempo, de salvação da personagem. Os momentos mais poéticos do romance são imagens fugidias de animais que ora miram a protagonista, ora são brevemente capturados em seu olhar. O livro todo é essa confusão de momentos poéticos, momentos depressivos, ou a lírica entre feras e homens. O mais presente é um cervo de enorme galhada feito um candelabro judaico. Não é um candelabro qualquer, é o mesmo símbolo que foi um dos objetos mais cobiçados pelos romanos ao saquear o Templo de Jerusalém, no ano 70 AD. Por ordem do imperador, sua imagem foi esculpida sobre o Arco de Tito, em Roma, carregado pelos escravos capturados. Seu enorme poder simbólico já era reconhecido.
Nas próximas segundas-feiras, publicaremos a terceira e a quarta parte deste ensaio. LEIA AGORA A PARTE 1 Atualmente, você é um assinante gratuito de Não É Imprensa. Para uma experiência completa, atualize a sua assinatura. |
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segunda-feira, 14 de julho de 2025
#ArianaHarwicz(2)
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